quarta-feira, 13 de março de 2013

O Primeiro Iniciado do Mundo

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O PRIMEIRO INICIADO DO MUNDO
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foto: divulgação
As pessoas adstritas ao simbolismo ou pouco versadas na  simbologia debocham e riem do Reverendo James Anderson (1680-1739) atribuindo a ele a frase: "Adão foi o primeiro maçom, iniciado por Deus no paraíso".  Se verificarmos o texto original de "The Constitution of The Fraternity of Accepted Free Masons" (Constituições de Anderson, 1723) veremos que Anderson escreveu o seguinte:

"Adão, nosso primeiro Antepassado (first Parent), criado a partir da Imagem de Deus, o Grande Arquiteto do Universo, deve ter tido as Ciências Liberais, especialmente a Geometria, escritas em seu Coração (written on his Heart) pois mesmo desde a Queda, encontramos os Princípios dela nos Corações de seus descendentes e que nos processo do tempo (in process of time), têm sido depuradas em um conveniente Método de Proposições, pela observação das Leis da Proporções..."

O estudo do simbolismo e a simbologia parecem ser a mesma coisa. Mas são diferentes, tanto pelo objetivo quanto pelo método. Os expertos (e espertos) em SIMBOlismo restringem-se à expressão e à interpretação de símbolos. Já a SIMBOLOGIA estuda esses mesmos símbolos pelo prisma aprofundado do humanismo. James Anderson era  mestre em artes e doutor em teologia. Quando redigiu a Constitution of Free Masons, Jean Théophile Desaguliers estava ao lado dele.  Desaguliers era membro da  Royal Society de Londres, assistente de  Isaac Newton, professor de filosofia, inventor do planetário e terceiro GrãoMestre da  Grand Lodge of England, entre 1719 e 1720, e um dos pais da moderna maçonaria. Os textos atribuídos a James Anderson foram compilados sob a supervisão de Desaguliers. Rir de Anderson é um apanágio daqueles que estão à altura de rir da simbologia, dos graus acadêmicos M.A. e D.D. que o Reverendo possuía, do prestígio da Royal Society e da fundação da moderna maçonaria.

Partamos do princípio de que as ordens iniciáticas têm por objetivo despertar o  potencial interior do ser humano e auxiliá-lo na redescoberta de sua relação com o Cosmos. Consideremos que cada pessoa seja portadora dos arquétipos que promovem sua evolução - arquétipos e leis  escritos em seu Coração. Nada há de cômico ou risível na afirmação simbólica do Dr. James Anderson. Pelo contrário: é trágica a perspectiva de que o homem seja um vazio destituído de qualquer base sobre a qual possa sustentar seu templo interior. As etapas para se alcançar o conhecimento partem daquilo que vem antes ("a priori", em latim) e são, no caso da afirmação de James Anderson, uma anterioridade lógica sustentada nas noções de: 1) um Mestre primordial (Deus  ou Imagem [representação] de Deus); 2) uma transmissão de potencialidades básicas (iniciação); 3) um recipiendário (Adão ou, se preferirem, nossos primeiros pais - first parent); 4) uma escola (templum - paraíso) preparado para aquele remoto cerimonial.

Quem estuda SIMBOLOGIA reconhece na afirmação do Dr. James Anderson os  quatro pontos necessários para a comunicação de um pensamento sob forma figurada  - uma ciência livre (liberal science) em especial as justas e perfeitas proporções (Geometria) gravadas em seu íntimo (Coração). O Adão a que Anderson se refere é o admah hebraico ou "criatura feita da mãe-Terra". O Deus Iniciador é o (ainda) Desconhecido e Inefável.

A comunicação alegórica (iniciação no paraíso) deve ser compreendida mediante vários aspectos: num primeiro estágio da inteligência, o objeto comunicado passa pelas funções psíquicas da  percepção e do  julgamento: vejo  isso; isso é bom ou é mal!  - alegoria da árvore do conhecimento do bem e do mal.  No segundo estágio, mais evoluído, ocorre a decomposição do objeto através da razão  - o que é  isso? como é isso?  No terceiro, há uma transcendência, pela contemplação e pela iluminação, daquilo que foi comunicado - é o daqui para onde. Se não conseguimos conceber o conhecimento primordial, a forma de transmissão havida "a priori" (tempo) e uma objetividade factual (espaço) é porque estamos formal e prematuramente iniciados. Se não temos a percepção, o julgamento e o raciocínio superior, não podemos contemplar em conformidade com os três estágios mencionados. O despertar daquele potencial interior torna-se impossível e o reencontro do homem com o transpessoal, uma utopia.

É verdade que convivemos com pessoas que, apesar de terem recebido a iniciação apenas formal, negam os princípios da transmissão primordial. Por causa disso o formalismo e o ritualismo tendem a suplantar o conteúdo filosófico nas Ordens e nas Lojas que as compõem.

Por outro lado, é justamente nessa relação entre o Mestre primordial (D'us) e o recipiendário inocente (adão/adam/adamah) que reside a tradição judaica, os cânones da cabala e sua relação mais íntima com as iniciações (especialmente a maçônica). Vou além: mesmos as religiões  - monoteístas ou politeístas  – partem de princípios idênticos ao  Bereshit hebraico seguido do  Adam Kadmon  - homem arquetípico ou  anthropos  - elementos cuja verdadeira compreensão e  realização determinam o nível de evolução alcançado pelo discípulo, pelo aprendiz e pelos que almejam a maestria. Religiosos ou não, mesmo os mais radicais, céticos e materialistas admitem um  process of time - processo do tempo nas palavras de Anderson, que equivale aos enunciados da evolução.

Quando o Dr. James Anderson sugeriu que Adão fora o primeiro maçom, iniciado por Deus no paraíso, ele quis expressar a seguinte verdade: o homem traz dentro de si (written on his Heart) as ferramentas necessárias para construir uma relação harmoniosa com seus semelhantes (templo-outro), com o templo-planeta e o templo-universo. Todo aquele que bate nos portais da Iniciação é um Adão (Adamah) que retoma um lugar entre nós, na oficina do Cosmos, dispondo-se a utilizar os instrumentos de trabalho  - "especialmente a Geometria", diz Anderson referindo-se alegoricamente à Moral das justas e perfeitas proporções entre o homem e seu meio.

Observação: O saudoso e ilustre Irmão  José Castellani escreveu uma divertida paródia sobre as diversas "interpretações" do texto de Anderson intitulada "Loja do Paraíso nº0", recentemente reeditada pelo valoroso Irmão  João Guilherme Ribeiro em seu Almanaque Maçônico "Engenho & Arte" (2010). Trata-se de um texto inteligente e perspicaz, cheio de humor e da impaciência que Castellani tinha para com o  achismo. Certamente o Irmão Castellani conhecia a SIMBOLOGIA e sabia em qual direção a frase de James Anderson estava apontando: "Adão foi o primeiro maçom... deve ter tido as Ciências Liberais escritas em seu Coração..." O humor da "Loja do Paraíso nº0" não é uma risada fácil nem gratuita, mas uma lição de maçonaria. Há riso e risos, por isso confio na alegoria registrada pelo Dr. James Anderson e me divirto com o texto sábio do grande Castellani.

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